sábado, 20 de fevereiro de 2010

... Fragmentos de Um Discurso Amoroso... (Roland Barthes).


Encontro pela vida milhões de corpos; desses milhões posso desejar centenas; mas dessas centenas, amo apenas um. O outro pelo qual estou apaixonada me designa a especialidade do meu desejo. Esta escolha tão rigorosa, estabelece, por assim dizer, a diferença entre a transferencia analítica e a amorosa; a primeira é universal e a segunda específica. É difícil encontrar a imagem que entre mil, convém ao meu desejo. Eis o grande enigma do qual nunca terá solução: Porque desejo esse? Porque o desejo por tanto tempo, languidamente? É ele inteiro que desejo (uma silhueta, uma forma, uma aparência, uma alma?) ou apenas uma parte desse todo? E, nesse caso, o que, nesse corpo e nessa alma amada, tem a tendência de fetiche em mim? Que porção, talvez incrivelmente pequena, que acidente? O corte de uma unha, a sua mão, a sua barba por fazer, uma mecha do cabelo? De todos esses relevos do corpo tenho vontade de dizer que são adoráveis. Adorável quer dizer: este é o meu desejo, tanto que é único. É isso! Exatamente isso (que amo). No entanto, quanto mais experimento a especialidade do meu desejo, menos posso nomeá-lo. A palavra adorável (a boa tradução de adorável), seria ipse latino: É ele, ele mesmo em pessoa.