segunda-feira, 6 de julho de 2009

... Carne, Suspiros e leite... Sem lactose (III)...


... I Want To Break Free: Eu quero me libertar - Ao som de Queen, quatro jovens atrizes, vestidas em espartilho branco e meias roxas em superposição com pés de outras meias desencontradas, cabelos emaranhados a bobs, maquiagem carregada, um pé calçado e outro não, se encontram em ambientes paralelos e conectados de um universo bem feminino; uma casa. Banheiro, quarto da criança, lavanderia, sala, cozinha... Tudo parecendo absolutamente normal, uma ambientação corriqueira aos olhos de todos os mortais. Entretanto, algumas coisas fazem a diferença dessa narração: As moças estão em meio à lama, sangue, leite, farinha e ovos. Elas se fazem presentes em ações que incomodam o público, afinal, o ambiente deveria estar limpo, cheiroso, arrumado e suas habitantes - que desempenham papeis tão femininos, também deveriam estar limpas e cuidadosamente perfeitas, o que não acontece. O som repetitivo da mesma música - I Want To Break Free - Eu quero me libertar, ecoa sem parar. Bifes crus são encharcados em um líquido vermelho, fazendo a carne crua ficar cada vez mais vermelha. Bifes são arremessados silenciosa e histericamente ao chão, presos nos cabelos, nas roupas, dentro das calcinhas, misturados a lama, batidos no chão, passados por um ferro em cima de uma banca de passar, que pinga sangue, presos no varal, misturados a leite, farinha, água suja, numa cozinha imunda, loucamente "limpa" por uma enceradeira muito antiga...É a carne dilacerada da mulher oprimida. Uma criança aparece. Ela é mostrada ao público que interage com ela... Uma criança Osso. Isso, uma criança osso, um fêmur bovino com joelho. A "mãe" orgulhosa mostra a criança para as pessoas que hipocritamente falam: "Que linda!!!", e ela pergunta: "É a cara do pai, não?" e quando se responde "nossa, é mesmo!!", ela pede a criança um sorrisinho que é conseguido quando a atriz puxa a cartilagem do joelho do osso, provocando na platéia um choque de sarcasmo, risos, sensação de desconforto, nojo, asco... Essa "criança" é sempre cuidadosamente lavada em uma banheira rosa absolutamente imunda, com lama dentro, envolta em panos imundos, carregada amorosamente por mãe sorridente e imunda. Essa criança, que é a cara do pai, tem cara de joelho, não se parece com ninguém. Ao fundo está outra mulher, que retira de dentro de um vaso sanitário, enormes pelotas de lama e passa na parede obsessivamente! Ela senta-se no vaso e remexe "o excremento"; passa pelo corpo, passa no chão, mistura com os bifes, passa na parede... Enquanto isso, mais uma mulher aparece: Ela limpa compulsivamente o chão. Limpa? Ela mistura o leite, com os ovos, a tinta vermelha, a própria carne crua, a lama... Um evento nojento que exala um odor visual insuportável de sujeira... Ela "limpa" tudo isso com uma enceradeira velha, ligada por uma extensão, "isolada" por durex, em fios que se fundem perigosamente a todos os líquidos espalhados pelo chão... Com um pé calçado e outro somente de meia e absurdamente molhado que descansa por sobre a enceradeira ligada ela contempla o "lar", pedindo silenciosamente para ser eletrocutada. Noutro braço, a "criança" sorri para a mãe... Ao mesmo tempo, outra mulher com um bolo nojento, busca na platéia "o homem ideal" que aprove seus dotes culinários...

... Carne, Suspiros e leite... Sem lactose (II)...


Projeto Tubo de Ensaio - Só Risos, UnB - Universidade de Brasília, dias 4 e 5 de julho de 2009. Sábado e Domingo, ICC Ala Sul. Várias performances que tratam de eventos variados por óticas engraçadas, cínicas e multivariadas... O que é uma Performance? A performance, art performance ou performance artística é uma modalidade de manifestação artística interdisciplinar /transdisciplinar que - assim como o happening - pode combinar artes visuais, teatro, música, poesia e ou vídeo. É característica da segunda metade do século XX e suas origens estão ligadas aos movimentos de vanguarda - dadaísmo, futurismo, Bauhaus, etc. - do início do século passado. Difere do happening por ser mais cuidadosamente elaborada e não envolver necessariamente a participação dos espectadores. Em geral, segue um "roteiro" previamente definido, podendo ser reproduzida em outros momentos ou locais. É realizada para uma platéia quase sempre restrita ou mesmo ausente e, assim, depende de registros, por meio de fotografias, vídeos e/ou memoriais descritivos para se tornar conhecida do público. A perfomance que causa maior impacto, de todas as apresentações é “Want To Break Free” – Eu quero me libertar, onde cinco jovens atrizes encarnam cinco mulheres “realizadas e felizes” que desenvolvem corretamente suas funções como dona de casa e aguardam por seus maridos. Ana Márcia Andrade, Anamaria Otto, Jaqueline Vieira, Jéssica Vasconcellos e Marítissa Benot artísticamente incomodam... Incomodam muito. A característica principal da arte da perfomance e do happening é incomodar, é mostrar o lado desumano do pseudo humano. Encenam a farsa da vida perfeita, mostram a dor que existe nas opressões psicológicas do universo feminino que acostumado a servir, a doar, a desmedida e perpetuadamente realizar múltiplas tarefas com esmero e perfeição, não se dão conta que a síndrome da super-mulher é perigosa e inútil: A sobrecarga de trabalho causa doenças psicológicas irreversíveis e não resolvem nenhuma espécie de questão, apenas agravam situações, empurram a sujeira para debaixo do tapete... I Want To Break Free é o que todas nós precisamos fazer, para viver uma vida mais leve, deixar de nos importar com condicionamentos perpetuados a séculos, porque não precisamos mais viver amarradas e oprimidas e estar com alguém precisa ser prazeroso. Não há necessidade da histeria psicótica de cobranças, obrigações e desgastes, mas a leveza de sorrisos, cheiros, toques, a sinestesia de olhares e comportamentos.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Anais Nin; Uma Mulher.


Anaïs Nin (21 de fevereiro de 1903, Neuilly, perto de Paris - 14 de janeiro de 1977, Los Angeles). Batizada Angela Anais Juana Antolina Rosa Edelmira Nin y Culmell, autora nascida na França, filha do compositor Joaquin Nin, cubano criado na Espanha e Rosa Culmell y Vigaraud,de origens cubana, francesa e dinamarquesa. Anaïs Nin tornou-se famosa pela publicação de diários pessoais, que medem um período de quarenta anos, começando quando tinha doze anos. Foi amante de Henry Miller e só permitiu que seus diários fossem publicados após a morte de seu marido Hugh Guiler.

Seus romances e narrativas, impregnados de conteúdo erótico foram profundamente influenciados pela obra de James Joyce e a psicanálise. Dentre suas obras destaca-se Delta de Vênus (1977), traduzido para todas as línguas ocidentais, aclamado pela crítica americana e européia.

No cinema o filme, Henry & June, dirigido por Philip Kaufman, cita a relação entre Anaïs Nin e Henry Miller. Anaïs Nin foi interpretada pela atriz portuguesa Maria de Medeiros.

Lilith, por Anais Nin

Lilith

Lilith era sexualmente fria, e seu marido em parte o sabia, apesar das simulações dela… Eles estavam sentados ali, juntos, e ela a olhava com uma expressão de suave tolerância, a mesma que costumava manter diante das crises dela, crises de egotismo, de autocensura, de pânico. A todos os seus dramáticos comportamentos, ele respondia com inabalável bom humor e paciência.Ela sempre enfurecia-se sozinha, irritava-se sozinha, suportava sozinha suas intensas convulsões emocionais, das quais ele nunca participava. Possivelmente, tratava-se de um símbolo de tensão que não ocorria entre eles sexualmente. Ele recusava todos os seus primitivos e violentos desafios e hostilidades, recusava-se a entrar com ela nessa arena emocional e a reagir à sua necessidade de ciúmes, temores, conflitos.Talvez se ele tivesse aceitado seus desafios e jogado os jogos que ela gostava de jogar, talvez então ela poderia ter sentido sua presença com um impacto bem maior do que o meramente físico. Mas o marido de Lilith não conhecia os prelúdios do desejo sensual, não conhecia nenhum dos estimulantes que certas naturezas selvagens reclamam e, desse modo, em vez de responder-lhe tão logo visse seus cabelos se eriçarem, seu rosto mais vívido, seus olhos como duas tochas de fogo, seu corpo inquieto e impaciente como o de um cavalo que aguardasse o início da corrida, ele se refugiava atrás do muro da compreensão objetiva, dessa tranqüila e irritante atitude de aprovação com a qual as pessoas olham para um animal no zoológico e riem de suas momices, sem penetrar em seu estado interior.

Era isso que deixava Lilith num estado de isolamento – na verdade, como um animal selvagem em pleno deserto. Quando ela se enfurecia e sua temperatura subia, o marido simplesmente deixava de existir. Ele mais parecia uma branda divindade que a olhasse dos céus e aguardasse que sua fúria se exaurisse por si mesma.

Se ele, feito um animal igualmente primitivo, surgisse na outra extremidade desse deserto, encarando-a com a mesma tensão energética nos cabelos, na pele e nos olhos, se surgisse com o mesmo corpo selvagem, pisando fortemente e procurando um único pretexto para dar o bote, enlaçar-se furiosamente, sentir o calor e a força de seu oponente, então eles poderiam rolar juntos pelo chão e as mordidas poderiam tornar-se de outra espécie, e a luta se transformaria num abraço, e os puxões de cabelo fariam com que suas bocas, seus dentes e suas línguas se unissem.

E, devido à fúria, seus órgãos genitais se roçariam mutuamente, soltando faíscas, e os dois corpos sentiriam a necessidade de penetrar um no outro para pôr um fim nessa formidável tensão.

– Anais Nin